Sobre o laço social e o Amor
Renata
Craviée F. Mendonça¹
Coautora:
Cristina Moreira Marcos²
Este trabalho discute a função privilegiada do amor para os
seres femininos enquanto uma forma de resposta ao mal estar dos laços sociais,
sobretudo na atualidade, e como forma de realização legítima deste, através do
laço amoroso.
No “O Mal estar na
Civilização” (1930), Freud aponta que os relacionamentos humanos representam a
causa de maior sofrimento do homem. Assim nos permitimos dizer que o mal estar
na civilização é o mal-estar dos laços sociais que se apresenta enquanto uma
inadequação em relação às regras que teriam o propósito de regular os
relacionamentos entre os seres humanos.
Uma curiosa consideração de
Freud se refere à ideia de que as mulheres seriam pouco propensas a atividades
de sublimação ou de renúncias em nome da civilização e neste sentido nos
perguntamos sobre o desejo das mulheres, pois se estes não estão centrados rumo
aos interesses da cultura, podemos nos perguntar em qual direção o desejo feminino
caminha.
Tal apontamento freudiano é
justificado no sentido de que para elas os interesses da vida sexual e da
família estariam em um primeiro plano, no entanto, atualmente observamos uma
significativa mudança, uma vez que, hoje muitas mulheres centram suas
atividades nos campos intelectuais, artísticos e filosóficos, o que contribui
para o desenvolvimento da cultura. Apesar disso, no entanto, persistimos com a
pergunta em relação ao laço amoroso feminino.
Segundo Freud em “O Mal
estar na Civilização” (1930), o amor sexual representa a mais intensa
experiência da sensação de prazer, ou seja, o grande modelo para a busca da
felicidade. No entanto, interessante pensarmos sobre as relações entre amor e
civilização, uma vez que, uma das mais importantes tarefas civilizatórias é
justamente a realizações dos laços sociais, contudo com uma perda necessária e
irremediável da dimensão do puro princípio do prazer.
Segundo o ensino freudiano,
o programa do “tornar-se feliz”, imposto pelo princípio do prazer aos sujeitos
não pode ser realizado, sobretudo no campo amoroso, pois o que se vê é um
número extremamente reduzido de pessoas que conseguem obter à satisfação
almejada nos relacionamentos amorosos. Neste ponto, Freud aponta a necessidade
humana de se aproximar desta busca de satisfação, o que relaciona à
constituição psíquica do sujeito.
Freud discute os propósitos
da civilização, neste trabalho, o da proteção do homem contra a natureza e o de
ajustar os relacionamentos mútuos. Sendo a vida humana, em comum, possível
graças a realizações dos laços sociais em detrimento do indivíduo isolado. No
entanto, a civilização em suas exigências de renúncia às pulsões pressupõe uma
frustração ao campo dos relacionamentos sociais. O que quer dizer que, se por
um lado, a civilização convida os sujeitos à formação dos laços sociais, ela
também promove frustrações e sofrimento, sendo que, no campo do amor Freud
afirma que nada deixa o homem tão indefeso, tão desamparadamente infeliz quando
da perda de seu objeto amoroso.
Freud aponta que quando o
homem descobre o amor sexual como o protótipo da felicidade este passa a buscar
o caminho das relações sexuais, tornando o erotismo genital o ponto central de
sua vida. No entanto, isto tornou o homem dependente do mundo externo e exposto
a um sofrimento extremo nos casos em que fosse rejeitado. E é neste percurso
que se compreende a transformação da pulsão em impulsos com finalidades
inibidas evitando-se assim o sofrimento.
Freud então aponta que a
mulher se torna hostil à civilização por ter sido relegada a um segundo plano
no desejo dos homens, pois para estes estaria em primeiro plano os objetivos
primordiais da cultura. No trabalho freudiano “O Mal estar na Civilização”
(1930), o autor conclui que diante das exigências da cultura, a importância da
vida sexual enquanto fonte de felicidade e busca de satisfação, enquanto
objetivos de vida, diminuem sensivelmente.
Aponta então como
consequências do processo civilizatório a existência de relacionamentos
amorosos, inibidos em sua finalidade, a restrição à vida sexual, e deste modo,
a formação das neuroses.
Somada a questão acerca do
desejo das mulheres, interessante, por outro lado, problematizarmos as
manifestações de nosso mundo contemporâneo, uma vez que, segundo Laurent,
citado por Drummond (2006) há um grande fracasso e desordens no campo do amor
associados à existência de uma sociedade narcisista, individualista, na qual,
reina a lógica do consumo, ficando as relações submetidas a um registro
extremamente objetalizado.
Assim como Freud em “O
Mal-estar na Civilização” (1930), Lacan em Televisão (1974) preocupa-se com o
mal-estar na modernidade e o diagnostica como produto do discurso do
capitalista. Lacan afirma que este sim é o laço social dominante em nossa
sociedade.
Segundo Quinet em “Psicose e
laço social (2006)” o que caracteriza o discurso capitalista é a foraclusão da
castração, ou seja, foraclusão da sexualidade e da diferença dos sexos.
Trata-se de um discurso que exclui o outro do laço social, pois os sujeitos só
se relacionam com os objetos-mercadoria, comandados pelo significante mestre:
capital. Neste sentido, podemos dizer que é um discurso que não faz laço
social.
BAUMAN
em “Amor Líquido” (2004) discute o relacionamento humano, entre homens e
mulheres contemporâneos, os quais, segundo ele, se encontram desesperados por
terem sido abandonados aos seus próprios sentidos, facilmente descartáveis, no
entanto, ansiando pela segurança do convívio, do “relacionar-se”. Contudo, no
lugar do “relacionar-se” e dos “relacionamentos”, o que se vê são as pessoas
falarem em “conexões”, “conectar-se” e “ser conectado”, em vez de parceiros
preferem falar em “redes”. Diferentemente de parcerias que ressaltam o
engajamento mútuo, a rede serve de matriz tanto para “conectar” quanto para “desconectar”,
sendo ambas as escolhas igualmente legítimas, gozam do mesmo status e têm
importância idêntica.
A
constituição da sexualidade feminina, segundo Freud, nos convida a pensar
acerca da necessidade da menina de subjetivação da dimensão da falta, da
ausência do órgão fálico, que se refere ao significante mestre, que regula a
diferença entre os sexos e devido a esta questão deverá responder sobre o seu
ser feminino, que equivale a buscar respostas sobre o que quer uma mulher.
Freud
busca compreender a sexualidade feminina através do mito de édipo, no qual, as
meninas seriam aquelas não dotadas de falo e percorrendo esse caminho, aponta
que a verdadeira saída feminina se refere a busca pelo falo na figura de um
homem que o daria sobre a forma de um filho. O que equivale a dizer que Freud
faz coincidir a maternidade com a verdadeira mulher, com o legítimo desejo
feminino. Deste modo, Freud anuncia que um modo privilegiado de fazer laço da
mulher estaria localizado no campo da maternidade.
No
entanto, Lacan vai mais além da mulher freudiana ao constatar que o desejo
feminino pode não passar necessariamente pela castração e pela lógica fálica,
mas que está para além desse registro, muito embora não se possa dizer que não
estejam também referenciadas pelo falo. A fala, aqui se apresenta, como um
testemunho de que o falo não é a única coisa que interessa às mulheres. Pois
quando estas se colocam a falar, a dizer de suas questões o amor aparece com
uma importância ímpar. Talvez possamos dizer, fazendo aqui um trocadilho de
significantes, que a fala surge como o falo, objeto do desejo, que para as
mulheres encontra-se firmado nas questões do amor, no discurso amoroso.
Podemos
afirmar que o amor ocupa uma função e lugar privilegiado para as mulheres,
tratando-se de uma paixão fundamentalmente feminina. Para uma mulher, o amor é
a condição de seu gozo sexual, ou seja, para gozar a mulher se insere nas
coordenadas do discurso amoroso. Para Lacan, o que está implicado na lógica
amorosa feminina, no sentido da fundamental relação delas com o amor é que se
oferecem como objeto do fantasma do homem para obter em troca uma resposta de
amor.
Podemos nos
perguntar então, o que estaria em jogo quando se trata do desejo feminino e do
privilégio dado ao amor pelas mulheres. Para isso, o gozo feminino, como algo
mais além do falo, pode ser entendido como esse lugar que Lacan escreve como: S
(A), com esse matema que descreve como o significante da falta do Outro, o que
nos ajuda a entender que a paixão feminina voltada ao amor se refere a esse
movimento do ser feminino de se colocar enquanto significante que completaria a
falta do Outro, do seu parceiro amoroso.
Questão
fundamental à nossa discussão refere-se à relação da menina com a sua mãe, pois
Freud faz uma descoberta de que a relação entre ambas tem uma importância
incomparável a que poderíamos atribuir na relação dos meninos com a mãe, uma
vez que, trata-se de um duradouro período, o qual, a menina busca algumas
respostas sobre o seu ser feminino na mãe. No entanto, esta não pode lhe
responder, pois não possui o atributo fálico necessário. Falta significantes
que nomeiem o ser feminino, que respondam o que é uma mulher, o que ela deseja.
Lacan
em “O Aturdito” (2003) aponta que a problemática da feminilidade repousa sobre
a questão da existência, ou seja, do que pode ser atribuído às mulheres lhes
conferindo existência. Que é exatamente uma disjunção entre o ser e a
existência, trata-se da paixão fundamental da dor da feminilidade.
Assim
Lacan afirma que uma mulher espera de sua mãe a subsistência, o que pode ser
observado pela força, imensidão e enormidade da demanda da menina dirigida à
sua mãe. Aqui o que se tem é um desmedido, um sem limite correlacionado ao real
da posição feminina, ou ao impossível da posição feminina No entanto, trata-se
de algo que a mãe, seguramente, não lhe pode dar, uma vez que, não lhe pode dar
nem a existência enquanto mulher e nem o ser de mulher e tampouco a substância
feminina. Trata-se de algo da ordem do impossível de uma transmissão.
Desta
forma, nos aproximamos da concepção de que a demanda de amor feminina, como
Lacan demonstrou, é uma demanda que não cessa e que pede “ainda mais”, pois do
lado feminino não há um limite.
Esse
“ainda” talvez possa ser entendido como fonte de vários mal entendidos na
relação da menina com a mãe, com o pai e porque não dizer dos desencontros
pelas vias amorosas. Trata-se, portanto, do mal estar dos laços sociais, com
novos formatos na atualidade, se sustentando muito menos e a duras penas, mas
que a mulher busca através desse “ainda” um signo proveniente do Outro, signo
de uma presença que dê, que possa dar nada mais do que o signo e, portanto
encontra-se localizado pelas vias do discurso amoroso.
Podemos
concluir com Freud em “Psicologia das Massas e Análise do Ego (1921)” quando
afirma que o vínculo social é um vínculo erótico ou amoroso. E se pensarmos que
há nas mulheres uma propensão a buscarem no amor uma resposta sobre o mal-estar
dos laços poderemos então concordar com a colocação de Freud em “Sexualidade
Feminina” (1931) que as mulheres são seres eminentemente sociais daí
percebermos o enorme dispêndio de energia mental voltada à construção dos laços
sociais, sobretudo do laço amoroso. Como diria Miller (2005, P.42), o amor é
capaz de fazer a ligação dos “um-sozinho”, sujeitos tal como se encontram na
atualidade.
Referências
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