quarta-feira, 2 de outubro de 2013

SOBRE O LAÇO SOCIAL E O AMOR

Sobre o laço social e o Amor
Renata Craviée F. Mendonça¹
Coautora: Cristina Moreira Marcos²

 Este trabalho discute a função privilegiada do amor para os seres femininos enquanto uma forma de resposta ao mal estar dos laços sociais, sobretudo na atualidade, e como forma de realização legítima deste, através do laço amoroso.  
No “O Mal estar na Civilização” (1930), Freud aponta que os relacionamentos humanos representam a causa de maior sofrimento do homem. Assim nos permitimos dizer que o mal estar na civilização é o mal-estar dos laços sociais que se apresenta enquanto uma inadequação em relação às regras que teriam o propósito de regular os relacionamentos entre os seres humanos.
Uma curiosa consideração de Freud se refere à ideia de que as mulheres seriam pouco propensas a atividades de sublimação ou de renúncias em nome da civilização e neste sentido nos perguntamos sobre o desejo das mulheres, pois se estes não estão centrados rumo aos interesses da cultura, podemos nos perguntar em qual direção o desejo feminino caminha.
Tal apontamento freudiano é justificado no sentido de que para elas os interesses da vida sexual e da família estariam em um primeiro plano, no entanto, atualmente observamos uma significativa mudança, uma vez que, hoje muitas mulheres centram suas atividades nos campos intelectuais, artísticos e filosóficos, o que contribui para o desenvolvimento da cultura. Apesar disso, no entanto, persistimos com a pergunta em relação ao laço amoroso feminino.
Segundo Freud em “O Mal estar na Civilização” (1930), o amor sexual representa a mais intensa experiência da sensação de prazer, ou seja, o grande modelo para a busca da felicidade. No entanto, interessante pensarmos sobre as relações entre amor e civilização, uma vez que, uma das mais importantes tarefas civilizatórias é justamente a realizações dos laços sociais, contudo com uma perda necessária e irremediável da dimensão do puro princípio do prazer.
Segundo o ensino freudiano, o programa do “tornar-se feliz”, imposto pelo princípio do prazer aos sujeitos não pode ser realizado, sobretudo no campo amoroso, pois o que se vê é um número extremamente reduzido de pessoas que conseguem obter à satisfação almejada nos relacionamentos amorosos. Neste ponto, Freud aponta a necessidade humana de se aproximar desta busca de satisfação, o que relaciona à constituição psíquica do sujeito.
Freud discute os propósitos da civilização, neste trabalho, o da proteção do homem contra a natureza e o de ajustar os relacionamentos mútuos. Sendo a vida humana, em comum, possível graças a realizações dos laços sociais em detrimento do indivíduo isolado. No entanto, a civilização em suas exigências de renúncia às pulsões pressupõe uma frustração ao campo dos relacionamentos sociais. O que quer dizer que, se por um lado, a civilização convida os sujeitos à formação dos laços sociais, ela também promove frustrações e sofrimento, sendo que, no campo do amor Freud afirma que nada deixa o homem tão indefeso, tão desamparadamente infeliz quando da perda de seu objeto amoroso.
Freud aponta que quando o homem descobre o amor sexual como o protótipo da felicidade este passa a buscar o caminho das relações sexuais, tornando o erotismo genital o ponto central de sua vida. No entanto, isto tornou o homem dependente do mundo externo e exposto a um sofrimento extremo nos casos em que fosse rejeitado. E é neste percurso que se compreende a transformação da pulsão em impulsos com finalidades inibidas evitando-se assim o sofrimento.
Freud então aponta que a mulher se torna hostil à civilização por ter sido relegada a um segundo plano no desejo dos homens, pois para estes estaria em primeiro plano os objetivos primordiais da cultura. No trabalho freudiano “O Mal estar na Civilização” (1930), o autor conclui que diante das exigências da cultura, a importância da vida sexual enquanto fonte de felicidade e busca de satisfação, enquanto objetivos de vida, diminuem sensivelmente.
Aponta então como consequências do processo civilizatório a existência de relacionamentos amorosos, inibidos em sua finalidade, a restrição à vida sexual, e deste modo, a formação das neuroses.
Somada a questão acerca do desejo das mulheres, interessante, por outro lado, problematizarmos as manifestações de nosso mundo contemporâneo, uma vez que, segundo Laurent, citado por Drummond (2006) há um grande fracasso e desordens no campo do amor associados à existência de uma sociedade narcisista, individualista, na qual, reina a lógica do consumo, ficando as relações submetidas a um registro extremamente objetalizado.
Assim como Freud em “O Mal-estar na Civilização” (1930), Lacan em Televisão (1974) preocupa-se com o mal-estar na modernidade e o diagnostica como produto do discurso do capitalista. Lacan afirma que este sim é o laço social dominante em nossa sociedade.
Segundo Quinet em “Psicose e laço social (2006)” o que caracteriza o discurso capitalista é a foraclusão da castração, ou seja, foraclusão da sexualidade e da diferença dos sexos. Trata-se de um discurso que exclui o outro do laço social, pois os sujeitos só se relacionam com os objetos-mercadoria, comandados pelo significante mestre: capital. Neste sentido, podemos dizer que é um discurso que não faz laço social.
BAUMAN em “Amor Líquido” (2004) discute o relacionamento humano, entre homens e mulheres contemporâneos, os quais, segundo ele, se encontram desesperados por terem sido abandonados aos seus próprios sentidos, facilmente descartáveis, no entanto, ansiando pela segurança do convívio, do “relacionar-se”. Contudo, no lugar do “relacionar-se” e dos “relacionamentos”, o que se vê são as pessoas falarem em “conexões”, “conectar-se” e “ser conectado”, em vez de parceiros preferem falar em “redes”. Diferentemente de parcerias que ressaltam o engajamento mútuo, a rede serve de matriz tanto para “conectar” quanto para “desconectar”, sendo ambas as escolhas igualmente legítimas, gozam do mesmo status e têm importância idêntica.
A constituição da sexualidade feminina, segundo Freud, nos convida a pensar acerca da necessidade da menina de subjetivação da dimensão da falta, da ausência do órgão fálico, que se refere ao significante mestre, que regula a diferença entre os sexos e devido a esta questão deverá responder sobre o seu ser feminino, que equivale a buscar respostas sobre o que quer uma mulher.
Freud busca compreender a sexualidade feminina através do mito de édipo, no qual, as meninas seriam aquelas não dotadas de falo e percorrendo esse caminho, aponta que a verdadeira saída feminina se refere a busca pelo falo na figura de um homem que o daria sobre a forma de um filho. O que equivale a dizer que Freud faz coincidir a maternidade com a verdadeira mulher, com o legítimo desejo feminino. Deste modo, Freud anuncia que um modo privilegiado de fazer laço da mulher estaria localizado no campo da maternidade.
No entanto, Lacan vai mais além da mulher freudiana ao constatar que o desejo feminino pode não passar necessariamente pela castração e pela lógica fálica, mas que está para além desse registro, muito embora não se possa dizer que não estejam também referenciadas pelo falo. A fala, aqui se apresenta, como um testemunho de que o falo não é a única coisa que interessa às mulheres. Pois quando estas se colocam a falar, a dizer de suas questões o amor aparece com uma importância ímpar. Talvez possamos dizer, fazendo aqui um trocadilho de significantes, que a fala surge como o falo, objeto do desejo, que para as mulheres encontra-se firmado nas questões do amor, no discurso amoroso.
Podemos afirmar que o amor ocupa uma função e lugar privilegiado para as mulheres, tratando-se de uma paixão fundamentalmente feminina. Para uma mulher, o amor é a condição de seu gozo sexual, ou seja, para gozar a mulher se insere nas coordenadas do discurso amoroso. Para Lacan, o que está implicado na lógica amorosa feminina, no sentido da fundamental relação delas com o amor é que se oferecem como objeto do fantasma do homem para obter em troca uma resposta de amor.
Podemos nos perguntar então, o que estaria em jogo quando se trata do desejo feminino e do privilégio dado ao amor pelas mulheres. Para isso, o gozo feminino, como algo mais além do falo, pode ser entendido como esse lugar que Lacan escreve como: S (A), com esse matema que descreve como o significante da falta do Outro, o que nos ajuda a entender que a paixão feminina voltada ao amor se refere a esse movimento do ser feminino de se colocar enquanto significante que completaria a falta do Outro, do seu parceiro amoroso.
Questão fundamental à nossa discussão refere-se à relação da menina com a sua mãe, pois Freud faz uma descoberta de que a relação entre ambas tem uma importância incomparável a que poderíamos atribuir na relação dos meninos com a mãe, uma vez que, trata-se de um duradouro período, o qual, a menina busca algumas respostas sobre o seu ser feminino na mãe. No entanto, esta não pode lhe responder, pois não possui o atributo fálico necessário. Falta significantes que nomeiem o ser feminino, que respondam o que é uma mulher, o que ela deseja.
Lacan em “O Aturdito” (2003) aponta que a problemática da feminilidade repousa sobre a questão da existência, ou seja, do que pode ser atribuído às mulheres lhes conferindo existência. Que é exatamente uma disjunção entre o ser e a existência, trata-se da paixão fundamental da dor da feminilidade.
Assim Lacan afirma que uma mulher espera de sua mãe a subsistência, o que pode ser observado pela força, imensidão e enormidade da demanda da menina dirigida à sua mãe. Aqui o que se tem é um desmedido, um sem limite correlacionado ao real da posição feminina, ou ao impossível da posição feminina No entanto, trata-se de algo que a mãe, seguramente, não lhe pode dar, uma vez que, não lhe pode dar nem a existência enquanto mulher e nem o ser de mulher e tampouco a substância feminina. Trata-se de algo da ordem do impossível de uma transmissão.
Desta forma, nos aproximamos da concepção de que a demanda de amor feminina, como Lacan demonstrou, é uma demanda que não cessa e que pede “ainda mais”, pois do lado feminino não há um limite.
Esse “ainda” talvez possa ser entendido como fonte de vários mal entendidos na relação da menina com a mãe, com o pai e porque não dizer dos desencontros pelas vias amorosas. Trata-se, portanto, do mal estar dos laços sociais, com novos formatos na atualidade, se sustentando muito menos e a duras penas, mas que a mulher busca através desse “ainda” um signo proveniente do Outro, signo de uma presença que dê, que possa dar nada mais do que o signo e, portanto encontra-se localizado pelas vias do discurso amoroso.
Podemos concluir com Freud em “Psicologia das Massas e Análise do Ego (1921)” quando afirma que o vínculo social é um vínculo erótico ou amoroso. E se pensarmos que há nas mulheres uma propensão a buscarem no amor uma resposta sobre o mal-estar dos laços poderemos então concordar com a colocação de Freud em “Sexualidade Feminina” (1931) que as mulheres são seres eminentemente sociais daí percebermos o enorme dispêndio de energia mental voltada à construção dos laços sociais, sobretudo do laço amoroso. Como diria Miller (2005, P.42), o amor é capaz de fazer a ligação dos “um-sozinho”, sujeitos tal como se encontram na atualidade.
Referências Bibliográficas:


ANDRÉ, Serge. O que quer uma Mulher? Trad. Dulce Duque Estrada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. 289 p.
BARROS, Fernanda Otoni. O objeto “a” é um fundamento do laço social. Revista Eletrônica do IPSM-MG, Ano 01, N° 01, Julho a Dezembro de 2007.
BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004, p.15-54.
BESSET, Vera Lopes & ESPINOZA, Marina Vieira. Sobre laços, amor e discursos. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v.15, N.02, p. 149-165, Agosto, 2009.
DRUMMOND, Cristina. Uma política do Amor. Curinga, Escola Brasileira de Psicanálise. Belo Horizonte, Nº 22, p. 11-15, Junho, 2006.
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LACAN, Jacques. Outros Escritos. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2001, O Aturdito. (1973) P. 449-497.
LACAN, Jacques. O Seminário, Livro 20: Mais, Ainda. Texto estabelecido por Jacques Alain Miller. Trad. M.D. Magno. 2 Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985. (1972-1973), 201p.
MILLER, Jacques-Alain. Uma Conversa sobre o Amor. Opção Lacaniana online nova série, Ano 1, Número 2, Julho, 2010.
QUINET, Antonio. Psicose e laço social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2006.
SUÁREZ, Esthela Solano. As mulheres e as suas paixões. Revista Eletrônica do Núcleo SEPHORA. Ano 2, Nº03, Novembro de 2006 a Abril de 2007.


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